Em meio à
crescente frota de automóveis nas grandes cidades do país, as bicicletas lutam
para conquistar espaço. Levantamento feito junto às prefeituras das 26 capitais
do Brasil mostra que, juntas, elas possuem 1.118 km de ciclovias – o que
representa apenas 1% do total da malha viária das cidades (97.979 km de ruas).
O Brasil tem
hoje cerca de 70 milhões de bicicletas, mas quase não há lugares exclusivos e
seguros para se trafegar, especialmente nas metrópoles. Para o especialista em
mobilidade Alexandre Delijaicov, da Universidade de São Paulo (USP),
o problema é que não é dada prioridade a quem realmente precisa. “Mais de um
terço das viagens no país é feita a pé, a maior parte por uma população que não
tem dinheiro para se locomover. Não construir calçadas mais largas e ciclovias
é um absurdo”, diz. O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)
diz que há um estímulo ao uso do carro por todos os lados. “Trata-se de um
urbanismo mercantilista, que só colabora para piorar a construção coletiva da
coisa pública.”
Apesar dos
números, há municípios que têm dado uma atenção maior ao meio de transporte. A
cidade campeã em ciclovias é o Rio de Janeiro (RJ). Ela é a que tem o
maior número de vias: são 361 km, com previsão de chegar aos 450 km até 2016,
ano dos Jogos Olímpicos. A prefeitura diz que são feitas 1,5 milhão de viagens
de bike todos os dias. “A bicicleta
passou a fazer parte de um movimento de modernização como um modal de
transporte de curtas distâncias, servindo como alimentador das redes de
transporte de massa. Por ser 100% não poluente, também contribui para redução
dos gases do efeito estufa”, diz, em nota, a Secretaria Municipal do Meio
Ambiente do Rio.
Já Rio
Branco (AC) tem a maior proporção em relação à malha (7,4%) e ao número de
habitantes. Segundo o diretor da Superintendência Municipal de Transportes e
Trânsito de Rio Branco, Ricardo Torres, a ordem na cidade é que sempre que for
realizada uma obra de infraestrutura viária esteja previsto também o
investimento no transporte não motorizado.“Boa parte das
ciclovias está na região periférica, onde está a população mais carente. Então
há pessoas que até têm vale-transporte, mas que o passam para frente para
conseguir uma renda extra e acabam utilizando a bicicleta, sobretudo operários
da construção civil, trabalhadores de pequenas indústrias e da limpeza
pública”, afirma. Ele diz que não
há um indicador preciso de que o trânsito esteja melhor, mas essa é a percepção
geral da população. “Se toda essa parcela que utiliza a bike migrasse para o
ônibus, a moto ou o carro, a situação ia complicar, com certeza.” O desafio
agora, segundo ele, é interligar toda a rede e melhorar a estrutura cicloviária
da área central.
Ciclovia em Rio Branco. Fonte: g1.com
Para se ter uma
ideia, Amsterdã, capital da Holanda e cidade referência para o transporte em
bicicletas, tem 400 km de ciclovias - e área territorial e população
significativamente menor em relação ao Rio de Janeiro, por exemplo.
Apenas uma
capital, Boa Vista, não possui nenhuma ciclovia implantada. A única via
para bicicletas que a cidade já teve, de cerca de 3 km, jamais foi utilizada e
acabou abandonada. Hoje, é utilizada por motoristas como estacionamento.
“Não houve uma
campanha de educação para o uso dela, que foi tratada como uma extensão da
calçada, já que passa na frente dos comércios. E como era só uma, juntou a
falta de cultura de ciclovias com a continuidade da política de não criação
desses espaços. Atualmente ela está toda descaracterizada”, diz o
diretor-presidente da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e
Habitacional de Boa Vista, Edgard Magalhães.
São Paulo, que
tem 60 km de ciclovias, conta também com 121 km de ciclofaixas de lazer (que
funcionam aos fins de semana e nos feriados) e 58 km de ciclorrotas (que
possuem sinalização e pintura no solo), o que faz a cidade possuir a segunda
maior malha cicloviária total.
Curitiba (PR)
possui 127 km de ciclovias e Campo Grande (MS), 73 km. Cuiabá,
com só 2 km, e Manaus, com 3 km, são as cidades com a pior relação entre o
número de ciclovias e o número total de ruas.
Ciclovia na praia de Copacabana. Fonte: g1.com
Para Torres, de
Rio Branco, o principal empecilho para a implantação de mais ciclovias não é
técnico, e sim político. “Recurso você consegue, ajuda de arquitetos e
engenheiros também. O difícil é quebrar o paradigma do carro, de ter vários
estacionamentos.”
O professor
Alexandre Delijaicov, da USP, concorda. “Trata-se de uma questão de
mentalidade, o que é um problema gravíssimo para qualquer transformação visando
a qualidade ambiental urbana, que possa gerar um bem-estar social. Do ponto de
vista físico-territorial, de viabilizar essa rede de ciclovias, com
investimentos públicos, recursos naturais e humanos, não há dificuldades”, diz.
Se depender dos
planos e projetos das prefeituras, no entanto, essa realidade pode mudar em um
ou dois anos. O levantamento mostra que as 26 prefeituras planejam implantar ao
todo 1.200 km de ciclovias e ciclofaixas até o fim do 2014 ou ao término da
gestão, dobrando a malha atual.
A Prefeitura de
São Paulo, por exemplo, diz que a meta da gestão é implantar 400 km de
infraestrutura cicloviária na cidade, sendo 150 km de ciclovias instaladas ao
lado dos novos corredores de ônibus e 60 km de ciclovias que já têm projeto
executivo concluído.
Entre as
iniciativas, estão 27 km de calçadas compartilhadas na região de Parelheiros,
na Zona Sul, que permitem o tráfego de ciclistas e pedestres. Na Zona Leste,
está em fase de finalização um trecho de 17 km de ciclovia no Jardim Helena. A
implantação foi feita após uma pesquisa do Metrô apontar a região como a que
mais possui usuários de bicicleta no município. Além disso, segundo a
prefeitura, o bairro é líder no ranking de acidentes envolvendo ciclistas e
possui forte característica de integração intermodal com o sistema
metroferroviário.
Manaus, que
aparece em último no ranking de ciclovias por malha e por habitante, tem um
plano ousado: construir 80 km até 2016. “O objetivo é oferecer não apenas um
espaço para o lazer, mas principalmente um modal de transporte à população”,
diz a administração municipal.
Já Boa Vista,
que não conta com nenhum espaço atualmente, prevê a construção de quase 45 km
de vias para bicicletas até o primeiro semestre do ano que vem. “A gente vai
criar ciclovias com o conceito de meio de transporte mesmo, com origem e
destino, interligando toda a cidade”, afirma Edgard Magalhães. “Hoje já há um
alto uso de bicicletas. O que falta é uma infraestrutura. Isso também vai
diminuir o número de acidentes envolvendo ciclistas.”
Fonte: g1.com