Por Braulio Eduardo Pscheidt Duffeck
A
cidade de Veneza, localizada na região do Vêneto, no nordeste italiano, é uma
das rotas turísticas mais requintadas da atualidade, estando presente no
subconsciente imaginário de muitas pessoas como um destino romântico e
sofisticado onde passeios de barco através dos diversos canais que interligam a
cidade simbolizam o fascínio do local.
Entremeio a tantos encantos presentes na magnífica Veneza, destacam-se as grandiosas obras de engenharia responsáveis por conectar o conjunto de 118 ilhas venezianas pelas mais de 400 pontes que transpõe os canais da cidade, possibilitando assim a ocupação de áreas anteriormente inóspitas devido aos esforços em conter a ação cíclica das marés sobre o território veneziano.
Contexto
histórico e a engenharia por trás da construção de Veneza
Os
processos de ocupação e de construção da cidade de Veneza estão diretamente
interligados com o contexto histórico da Itália no século V, sendo estes
impulsionados pela queda do Império Romano do Ocidente, fato que estabeleceu as
condições necessárias para o desenvolvimento do nordeste italiano, onde ficam localizadas
as ilhas de Veneza.
Com
o fim do Império Romano em 476 d.C., os povos bárbaros dominaram o continente
europeu de forma súbita, cercando diversos territórios que estavam localizados
próximos à sua extensão. A população do norte da Itália foi uma das mais
atingidas pela ascensão dos bárbaros, estando ameaçada por diversos exércitos
que avançavam da Ásia e do sul, como os lombardos e os eslavos.
Perante
o contexto citado, os povos do norte italiano buscaram refúgio em regiões
isoladas e de difícil acesso do continente europeu, onde o risco de ataques e
invasões por parte de outros exércitos seria minimizado. O local escolhido para
tal finalidade foi o conjunto de ilhas situadas à beira do Mar Adriático, uma
área de pequena extensão territorial que sofria constantes inundações com a
ação das marés, onde futuramente seria a cidade de Veneza.
O
avanço das construções sobre as águas não era uma tarefa simples, pois demandava
um grande senso de inovação por parte dos povos da época. O solo pantanoso e as
poucas áreas de terra firme criavam vários entraves para a construção das estruturas
em Veneza. Para edificar suas casas, os construtores da época adotaram uma
técnica de recuperação do terreno que consistia na delimitação de um trecho
através da conexão de várias ilhas pelo estaqueamento de toras de madeira muito
próximas umas às outras. Com o terreno delimitado, a água que estava na
superfície era drenada, permitindo assim que a construção pudesse ser erguida.
Além
de todas as dificuldades encontradas no processo de drenagem da água na
superfície das ilhas, ainda era necessário construir uma fundação resistente
para a edificação, pois devido ao fato do solo da região ser pantanoso e
instável, a estrutura corria sérios riscos de ceder e afundar. A solução
adotada para este problema se deu através da fixação de diversos troncos de
madeira no solo, que alcançavam o fundo do canal até uma profundidade média de
5 metros. A partir disso, quando a madeira entrava em contato com o “caranto”
(mistura de areia e argila), aliada à ausência de oxigênio no fundo do canal,
ocorria uma reação química de fossilização que deixava sua estrutura altamente
resistente, tornando-a capaz de sustentar a edificação.
Acima
dos troncos de fundação também era assentada uma camada dupla de placas de
madeira, que realizava o nivelamento do terreno e auxiliava os construtores a
distribuir os carregamentos da obra. Essa camada de madeira recebia ainda o
reforço de grandes blocos de pedra ístria, para auxiliar na impermeabilização
do terreno, tendo em vista que era comum ocorrer mudanças repentinas no nível
da água.
Foram
necessários anos de prática para que os italianos consolidassem o domínio de todas
essas técnicas construtivas, e a partir do século XIII, Veneza já monopolizava
o comércio no Mediterrâneo e a ligação com o continente asiático. Todavia, com
a descoberta de uma nova rota mais lucrativa para a Ásia, a cidade acabou
perdendo seu status de potência e foi
dominada por outras nações.
A Veneza moderna
Em
termos de infraestrutura urbana, os sistemas elétrico e hidráulico que integram
a cidade estão localizados logo abaixo da superfície das calçadas, as quais são
constituídas por pedras trachite. A
conexão entre esses sistemas ocorre através das pontes que unem as ilhas de
Veneza, permitindo que até mesmo os pontos mais remotos da região tenham acesso
a eles. Já o sistema de esgoto caracteriza-se pelo uso de fossas sépticas e
galerias para a condução dos resíduos aos rios e canais da cidade.
Desde
sua construção até a atualidade, Veneza enfrenta os severos efeitos das marés.
Nos meses de inverno a maré alta chega a ser constante no dia a dia do
venezianos, e como não é possível transitar de carro pela cidade, os moradores
são obrigados a realizar suas tarefas com o auxílio de meios de transporte
alternativos. A logística da cidade também é muito afetada por conta da
limitação dos modais de transporte, o que acaba aumentando subitamente o preço
dos produtos comercializados na região.
Todas
essas limitações decorrentes da falta de acessibilidade e da infraestrutura
restringida pelas questões geográficas da região acabam elevando significativamente
o custo de vida em Veneza. Devido à isso, muitos moradores acabam deixando a
cidade em busca de locais economicamente mais vantajosos para morar, o que vem
despertando cada vez mais o interesse de investidores internacionais na compra
de imóveis para a instalação de hotéis e resorts
na região, comprovando o grande potencial turístico que está por trás da
cativante cidade de Veneza.
Em
síntese, todos os obstáculos encontrados pelos venezianos ao longo da
construção de sua história contribuíram para o crescimento e a consolidação da
cidade de Veneza. Sua relação com a água e a necessidade de domá-la fizeram com
que Veneza se transformasse em uma potência turística global, onde a
arquitetura antiga e a modernidade transitam juntas em um ambiente romântico e encantador,
criando o cenário ideal para o desenrolar de uma arrebatadora história de amor
ou até mesmo de uma sofisticada taça de vinho no pôr do sol.
Punta
della Dogana, Veneza
Referências
ARCHDAILY.
Cidade versus água: entenda como Veneza foi construída. Disponível em:
<https://www.archdaily.com.br/br/908233/cidade-versus-agua-entenda-como-veneza-foi-construida>.
Acesso em: 08/09/2021.
SUPER INTERESSANTE. Como e quando foi construída a cidade de
Veneza? Disponível em: < https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-e-quando-foi-construida-a-cidade-de-veneza/>.
Acesso em 08/09/2021.
ITALIA PER AMORE. Como Veneza foi construída? Disponível
em: <http://italiaperamore.com/como-veneza-foi-construida/>. Acesso em 09/09/2021.
ANCIENT ORIGINS. The
construction of Venice, the Floating City. Disponível em: <https://www.ancient-origins.net/ancient-places-europe/construction-venice-floating-city-001750>.
Acesso em: 09/09/2021.
UNESCO. Venice and its Lagoon. Disponível em: <https://whc.unesco.org/en/list/394>.
Acesso em: 09/09/2021.