sábado, 30 de outubro de 2021

Tokyo 2020: a sustentabilidade de mãos dadas com a engenharia

 Por Rafael Moia Apolonio

As Olimpíadas originaram-se por volta do século VIII a.C., no contexto da antiga Hélade, isto é, o conjunto das cidades-estado da Grécia Clássica. A realização dos jogos ocorria na cidade de Olímpia - por isso o nome “Olimpíadas” - para onde os cidadãos das outras cidades peregrinavam a fim de participarem das competições. E, desde então, uma série de adaptações ocorreram para que esse evento de proporções mundiais se adequasse aos padrões de uma sociedade em constante comutação. Entretanto, pode-se afirmar que nos anos hodiernos as construções vinham sendo realizadas de forma pouco ambientalmente consciente e, dessa forma, cada vez mais urgia a necessidade de uma ação ativa e responsável dos projetos de engenharia. Nesse contexto, pode-se notar na prática sua importância, principalmente em se tratando das Olimpíadas de Tóquio.


IOC Sustainability Strategy
Fonte: Comitê Olímpico Internacional

Segundo parâmetros estabelecidos por Martin Müller no artigo “An evaluation of the sustainability of the Olympic Games” publicado na revista Nature, devido às grandes proporções e abrangência dos jogos olímpicos, esse evento impacta fortemente o meio ambiente e a sociedade como um todo. Dessa forma, o artigo classificou algumas vertentes da sustentabilidade através de pontuações que variam entre 0 e 100, podendo-se, assim, mensurar o quão ecologicamente corretos foram os eventos passados. Nesse contexto, pode-se concluir que a Rio 2016 (29 pontos) e Sochi 2014 (24 pontos) foram as piores entre os anos de 1992 à 2020, enquanto Tokyo 2020 encontrou-se na faixa dos 35 pontos. Ademais, é válido ressaltar que mesmo as organizações mais bem classificadas, como a de Salt Lake City com 71 pontos, ainda não atingiram o patamar ecológico e o baixo impacto ambiental desejados.


Definição e modelo conceitual de sustentabilidade nos Jogos Olímpicos
Fonte: An avaluation of the Olympic Games
 

No que se refere a organização do evento pelo Comitê Olímpico Internacional (IOC) enquanto Owner of the Olimpic Games (tradução literal de “Donos do Jogos Olímpicos”), é importante mencionar que algumas alterações foram necessárias devido à pandemia do COVID-19. Na prática, isso pode ser evidenciado através de medidas como a racionalização dos serviços de transporte, reduções na aparência dos jogos nas instalações e na vila olímpica e paralímpica,  otimização das operações de revezamento da tocha olímpica, mudanças nas atividades dos espectadores nos locais de competição, dentre várias outras.

Reduzir, reutilizar e reciclar

Visando um evento mais limpo e sustentável, a engenharia por trás de Tokyo 2020 revelou sua importância pautada na conscientização ambiental e homenagem respeitosa à cultura japonesa. Para isso, apenas 8 novos locais de competição foram construídos do zero, havendo um bom reaproveitamento de construções antigas (principalmente no referente à Olimpíada ocorrida em 1964). O arquiteto e urbanista Kenzo Tange foi de fundamental importância para que isso fosse possível, uma vez que ele já estaria envolvido na construção da Arena Olímpica no evento anterior, por exemplo. Nas palavras de Tange: “Eu quero, de qualquer forma, que meus edifícios estejam livres do rótulo de ‘tradicional’ ”.

 


Arena Olímpica
Fonte: Kenzo Tange
 

Muito também foi realizado pela organização sobre a recuperação de materiais, dos quais se pode mencionar as quase 79.000 toneladas de smartphones e outros equipamentos eletrônicos doados pelo público japonês - conhecidos como “minas urbanas” - que foram usados ​​para fazer as 5.000 medalhas olímpicas e paralímpicas. Além disso, a tocha olímpica foi produzida com resíduos de alumínio de uma caixa temporária construída após o terremoto de 2011 e, até mesmo as camisetas e calças usadas pelos portadores da tocha, eram feitas de garrafas plásticas recicladas coletadas pela empresa Coca-Cola.

Além do carbono neutro

Segundo o relatório apresentado pelo “IOC News”, além das 25 construções adaptadas do evento anterior em Tóquio e dos 8 novos locais, outros 10 foram levantados de modo provisório com as “mãos dadas” à engenharia no que se refere ao uso de avaçadas tecnologias construtivas, minimizando custos de construção e uso energético. Nesse cenário, menciona-se também que a maior parte da energia utilizada veio de fontes renováveis, incluindo painéis solares e energia de biomassa de madeira, que usou resíduos de construção e aparas de árvores no Japão para produzir eletricidade. Como forma de comprovação, pode-se exemplificar através do renomado Ariake Urban Sports Park, o qual é totalmente movido por eletricidade solar renovável produzida em Fukushima (palco do desastroso terremoto em 2011).



Arena do skate e BMX: Ariake Urban Sports Park
Fonte: Ge.Globo
 

Muito se é dito quanto à parte da Tokyo 2020 que não utilizou recursos energéticos renováveis, entretanto, onde não o foi possível, contemplou-se certificados de energia verde para compensar o uso de eletricidade não renovável. Ademais, os jogos contaram com a compensação mais do que neutra de carbono, a qual cobriu todas as emissões diretas e indiretas, incluindo transporte e construção que, segundo o Programa de Limitação e Comércio de Carbono do Japão, os créditos do poluente compensaram cerca de 720.000 toneladas de CO2 que seriam emitidos para que se realizassem os quatro dias das Cerimônias de Abertura e Encerramento Olímpico e Paraolímpico.

Construindo para o futuro

As duas principais zonas olímpicas - a Heritage Zone e a Tokyo Bay Zone - foram projetadas para construir o melhor do passado para um futuro sustentável. A primeira reaproveita vários locais icônicos usados ​​nos Jogos de Tóquio de 1964, incluindo o local de tênis de mesa no Tokyo Metropolitan Gymnasium e o mundialmente famoso Nippon Budokan. Já o novo Estádio Nacional do Japão - sede das Cerimônias de Abertura e Encerramento - incorpora beirais gigantes para permitir que a brisa refrescante circule livremente (os beirais, uma característica da arquitetura tradicional japonesa, são projetados para usar vento natural em vez de ar condicionado).

 


Nippon Budokan
Fonte: Numen Arquitetura

 


Arena de Saitama
Fonte: Numen Arquitetura

Em contraste, a ultramoderna Tokyo Bay Zone é um modelo de desenvolvimento urbano inovador que irá revitalizar a orla marítima de Tóquio, com melhor transporte e acesso à área da baía. Entre os 16 locais está o Tokyo Aquatics Center, que pode ajustar o comprimento e a profundidade de suas piscinas movendo pisos e paredes, além de ser alimentado por energia solar e ter seu calor remanejado ao solo. De forma paralela, a Vila Olímpica - presente na intersecção das duas zonas - fica em um terreno recuperado e a matriz energética usada pela instalação foi gerada com hidrogênio usando células à combustível de hidrogênio puro (é dito que após os jogos a Vila será transformada em apartamentos, escola, lojas e outras instalações movidos à hidrogênio).

Em suma, pode-se concluir a importância da conscientização ambiental atrelada ao processo construtivo de obras de engenharia, principalmente em se tratando de imponentes construções das quais impactam grandemente o meio ambiente. Em um cenário em que a sustentabilidade estava sendo preterida, Tokyo 2020 reviveu a importante responsabilidade social e ambiental de se sediar um evento com essas proporções, escancarando a força do antigo provérbio indígena “Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro.”


Referências

TANGE, Kenzo. OLYMPIC ARENA. Disponível em: http://www.greatbuildings.com/buildings/Olympic_Arena.html. Acesso em: 20/10/2021.

Numen Arquitetura. A ARQUITETURA DAS OLIMPÍADAS DE TÓQUIO. Disponível em:
https://www.numenarquitetura.com/post/a-arquitetura-das-olimp%C3%ADadas-de-t%C3%B3quio. Acesso em: 20/10/2021.

Redação GQ. JOGOS OLÍMPICOS ESTÃO FICANDO MENOS SUSTENTÁVEIS DESDE 2002, DIZ ESTUDO. Disponível em: https://gq.globo.com/um-so-planeta/noticia/2021/07/jogos-olimpicos-menos-sustentaveis.html. Acesso em: 20/10/2021.

MÜLLER, Martin. AN EVALUATION OF THE SUSTAINABILITY OF THE OLYMPIC GAMES. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41893-021-00696-5. Acesso em: 24/10/2021.

Association of National Olympic Committees. TOKYO 2020 PUBLISHES UPDATE TO SUSTAINABILITY PRE-GAMES REPORT. Disponível em: https://www.anocolympic.org/olympic-movement/tokyo-2020-publishes-update-to-sustainability-pre-games-report/. Acesso em: 24/10/2021.

International Olympic Committee.
ALL YOU NEED TO KNOW ABOUT TOKYO 2020 SUSTAINABILITY. Disponível em: https://olympics.com/ioc/news/all-you-need-to-know-about-tokyo-2020-sustainability. Acesso em: 25/10/2021.

International Olympic Committee. ANNUAL REPORT 2020. Disponível em: https://stillmed.olympics.com/media/Documents/International-Olympic-Committee/Annual-report/IOC-Annual-Report-2020.pdf. Acesso em: 25/10/2021.

TAGLIANI, Simone. OLIMPÍADAS 2021-2021: CONHEÇA UM POUCO DA ARQUITETURA DESTE EVENTO TÃO AGUARDADO. Disponível em: https://engenharia360.com/as-principais-arquiteturas-das-olimpiadas-2020-2021/. Acesso em: 25/10/2021.

DILLON, Lorena. CONHEÇA ONDE O SKATE FARÁ ESTREIA NAS OIMPÍADAS: ARIAKE URBAN SPORTS PARK. Disponível em:  https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/conheca-onde-o-skate-fara-estreia-nas-olimpiadas-ariake-urban-sports-park.ghtml. Acesso em: 25/10/2021.