sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Arranhas-Céus de Madeira

Por Elvidio Gavassoni Neto

    Que a madeira é um material cujo uso estrutural é quase tão antigo como a própria civilização 1 é algo quase de conhecimento geral. Talvez menos conhecido seja o fato de que a madeira venha, nas últimas décadas, sendo usada para a construção de edifícios médios e altos de múltiplos pavimentos 2. Mas os elementos estruturais utilizados nesses arranhas-céus não são aqueles de madeira serrada comumente utilizados nas estruturas de telhados ou de formas e escoramentos tradicionalmente conhecidos pelos brasileiros. Vem crescendo o uso extensivo, e por isso chamado de madeira massiva 3, de produtos derivados de madeira como a madeira lamelada e colada (utilizada em pórticos, arcos, vigas e pilares) e a madeira lamelada colada cruzada (usada em chapas e placas). Esses produtos, engenheirados 2 como ficaram conhecidos no jargão técnico, permitem a obtenção de elementos estruturais de alto desempenho mecânico, aliados à construção pré-fabricada.

    A madeira é um material orgânico natural e desse fato decorre todas as vantagens do uso desse material. Em geral a madeira tem resistência à compressão comparável ao concreto simples, porém com resistências à tração muito maiores que o material cimentício 4. Se comparada ao aço, outro material estrutural tradicional, a resistência da maderia é muito inferior, contudo é na resistência específica (resistência dividida pela massa específica) que a madeira fica bem a frente com um valor quase 4 vezes maior que o aço, bem como uma rigidez específica até 10 vezes maior que o mesmo material 5.

    Se quanto às propriedades mecânicas, a madeira é um material estrutural com vantagens que superam os materiais tradicionais, e no contexto da sustentabilidade, esse material é insuperável. Um metro cúbico de madeira para ser produzido consome 2,4 Mcal comparados às 780 Mcal e 3000 Mcal para produção da mesma quantidade de concreto simples e aço estrutural respectivamente 5. Na emissão de CO2 a produção de 1 metro cúbico de madeira leva a emissão de 1 ton desse gás enquanto que a produção das mesmas quantidades de concreto e de aço emitem, respectivamente, 2,5 ton e 5 ton. Sem contar o fato de que as árvores aprisionam CO2 durante seu crescimento.

    Fica fácil, portanto, entender o interesse e os benefícios, fiscais sobretudo, que os edifícios de madeira vêm atraindo em muitos países recentemente. Deve sempre se ressaltar os impactos negativos do desmatamento, e por isso é importante a difundida preocupação que a sociedade manifesta frente a essas construções de maderia quanto ao uso de madeira legal e de reflorestamento. Contudo, é no mínimo, curioso que o concreto, cujo consumo mundial anual per capta é de 1,9 ton, inferior apenas à água 6, não cause a mesma preocupação difundida na sociedade. É curioso que materiais como aço e concreto, cujas jazidas possuem ciclos de reposição natural milhares de vezes maiores que os ciclos geracionais humanos não suscitem protestos e preocupações quando grandes obras utilizando tais materiais são construídas.

    As desvantagens estruturais da madeira tem mesma origem que suas vantages: o fato de ser um material orgânico natural. Como tal a madeira possui uma iteração grande com outros ciclos ambientais. No caso da água, a higroscopia da madeira, faz com que as propriedades físicas e estruturais da madeira variem com a umidade do ambiente onde as peças se encontram 7. Por ser um material natural orgânico a madeira pode fazer parte do ciclo de outros organismos tais como insetos (cupins), fungos (bolor) e até mesmo crustáceos 8. A madeira pode ainda sofrer degradação, mesmo que superficial, com a ação da luz solar. Tais fatores de degradação, tanto bióticos e abióticos fazem com que a madeira exposta ao ambiente tenha de ser adequadamente tratada, muitas vezes encarecendo o uso dos elementos de madeira. Como a madeira não tem produção antrópica, e sim natural, está sujeita à grande variabilidade de propriedades físicas e mecânicas, bem como à existência de defeitos (quando estruturalmente utilizada). Os produtos engenheirados de madeira possuem maior controle na sua produção e portanto uma menor susceptibilidade a essa variação, sendo porém mais caros que a madeira serrada e maderia roliça. A madeira é um material inflamável, contudo a baixa velocidade da queima, ½ mm/min2, e as grandes seções dos elementos de madeira massiva têm permitido a liberação da construção de edifícios de múltiplos pavimentos em muitos países.

    Em 2019 o mais alto edifício de madeira com 18 pavimentos e 85,4 m foi completado na Noruega, empregando diagonais de madeira lamelada e colada para enrijecimento lateral dos pórticos também do mesmo material. Com conceito estrutural parecido existe o projeto de um edifício de 80 pavimentos em Chicago 2. A novidade chega ao Brasil, ainda que em pequenos edifícios. Está em fase de acabamento um edifício híbrido (núcleo rígido de concreto armado) empregando vigas e pilares de madeira lamelada e colada e lajes (além de algumas vedações laterais) de madeira lamelada colada cruzada 2. Além disso, outro projeto em construção, também em São Paulo trata de um prédio de 4 andares em conceito semelhante 9. Existe ainda o projeto de construção de um edifício de 13 pavimentos em São Paulo e a inalguração em 2022 de uma fábrica de madeira massiva nacional 9.

1.           Yipintsoi, T. Single passage extraction and permeability estimation of sodium in normal dog lungs. Circ. Res. 39, 523–531 (1976).

2.           Stamato, G. C., Marcolin, L. A. & Sgarbosa, F. V. Madeira em Alta. Revista Estrutura 62–68 (2020).

3.           Dias, A. Como a madeira vai se transformar no principal material de construção de edifícios de múltiplos andares; (2018).

4.           Projetos, O. & Brasileira, D. N. AGO 1997 NBR 7190 Projeto de estruturas de madeira. (1997).

5.           Piazza, M., Tomasi, R. & MODENA, R. Strutture in legno. (2014).

6.           Pedroso, F. L. Concreto: Material Construtivo Mais Consumido No Mundo. Revista Concreto & Construções - Instituto Brasileiro de Concreto (IBRACON) vol. XXXVII 77 (2009).

7.           Breyer, D. E., Cobeen, K. E., Fridley, K. J. & Pollock, D. G. Desing of Wood Structures. (20015).

8.           Kretschmann, D. E. Chapter 5 - Mechanical Properties of Wood. Wood Handb. - Wood as an Eng. Mater. 1–46 (2010).

9.           Rural, C. Brasil terá fábrica de madeira engenheirada, usada na construção de prédios. https://blogs.canalrural.com.br (2020).


Edifício Mjøstårnet Noruega (Fonte: https://www.dezeen.com)