quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O aprendizado e o Ensino da Análise Estrutural


           Por Prof. Dr. Elvídio Gavassoni

        As estruturas são os elementos que recebem e conduzem as cargas advindas do uso e da existência de uma edificação até a sua fundação[1]. É natural, portanto, que o projetista (Engenheiros e Arquitetos) tenha que lidar com a Análise Estrutural. De modo imperfeito, porém não incompleto, a Análise Estrutural compreende todos os esforços que o projetista faz para responder a três questões fundamentais:1) A que solicitações a estrutura estará submetida durante a vida útil prevista para a edificação? 2) Quais efeitos essas solicitações provocam na estrutura? 3) Como responderão os elementos estruturais aos efeitos neles suscitados pelas solicitações previstas? Na árdua tarefa de conduzir os estudantes pelos intricados caminhos que essas três questões fundamentais, e as numerosas subquestões que delas derivam, professores e livros didáticos têm quase sempre optado pela estratégia de dividir para conquistar.
          Os conteúdos programáticos das disciplinas e as ementas de textos básicos de Análise Estrutural repartem os conceitos, os métodos, as fases, os processos e os critérios do estudo das estruturas em numerosas unidades de conhecimento. Essa estratégia sequencial e linear, extremamente difundida no fazer acadêmico, é de toda incompatível, tanto em sequência lógica quanto cronológica, com o fazer profissional[2]. É natural que o projetista tenha que partir de uma visão global e completa, ainda que rascunhada, dos objetivos, dos requisitos, das limitações e dos intervenientes do projeto estrutural. Somente após o domínio qualitativo das formas e dos esquemas globais, é que o projeto estrutural percorre os caminhos da subdivisão em elementos e seus respectivos dimensionamentos (análise quantitativa) e procedimentos construtivos.
          Em flagrante desconexão com o processo natural do projeto estrutural, estudantes de Arquitetura e Engenharia são treinados, exaustivamente, a lidar com o conhecimento da Engenharia em pequenos blocos. A estratégia se baseia na hipótese de em algum instante (e por sua própria conta) os futuros projetistas conseguirão organizar (em sentido reverso) as informações adquiridas (pregressas e fragmentadas) no entendimento global dos projetos estruturais.
          A hipótese raramente se confirma na prática. A premissa em que ela se apoia possui uma ordem exatamente inversa à ordem natural do processo de projeto estrutural. O processo ensinado e aprendido é, portanto, artificial! Consequentemente, e quase universalmente, o resultado é quase sempre que os recém-formados deixem os bancos da faculdade e entrem nos postos de trabalho com a impressão de que nadam sabem. Eles sabem! Só não sabem que sabem! O conteúdo programático ao longo dos 5 anos das graduações em Engenharia e Arquitetura são tão extensos que me fazem recordar a afirmação do grande engenheiro civil espanhol Eduardo Torroja Miret: “Nas escolas há tanto que aprender que rara vez sobra tempo para pensar”[3]. O que os neófitos não sabem é organizar, e em ordem inversa, as numerosas pequenas peças do quebra-cabeça obtidas nos anos de estudo universitário para visualizar e pensar os projetos estruturais de forma global para solução de problemas profissionais práticos.
              Esse processo de treinamento é altamente eficiente na capacitação dos alunos para resolução de problemas de listas de exercícios e de questões de provas. Problemas artificialmente criados para terem solução do tipo fechada e única. Questões altamente específicas, claramente delimitadas e exaustivamente mastigadas pelos professores e autores de livros didáticos. Contudo, tal metodologia costuma produzir estudantes incapazes de analisar sistemas de problemas complexos. Inábeis para identificar e para confrontar questões básicas versus questões detalhadas. Inaptos para formular, de forma independente, uma estratégia hierárquica e um plano adequado para lidar com os problemas de Engenharia práticos. Problemas reais que não possuem solução única nem fechada.
            A questão que se impõe: Apesar dessas limitações tão universalmente observadas por que essa metodologia se mantém nos cursos universitários e nos livros didáticos? É algo em que penso desde que me tornei professor. E ainda não cheguei a uma resposta conclusiva. Tenho alguns palpites. O primeiro deles é a tradição. Nossos professores nos ensinaram desse modo. Antes deles, os professores dos nossos professores os ensinaram assim. Parece um argumento prosaico. E ele o é! O grande escritor inglês G. K. Chesterton dizia que o negócio dos progressistas é continuar cometendo erros e que o papel dos conservadores é evitar que os erros sejam corrigidos[4]. Mudar demanda tempo e energia. A lei do menor esforço é uma grande força da natureza!
            Outra suspeita que partilho é que a estratégia linear de dividir para conquistar é extremamente viável. Ela facilita, e consolida, as versões tradicionais da organização dos currículos escolares, da aplicação de avaliações de aprendizado e da estruturação dos conteúdos programáticos. A exigência e o esforço intelectual para estruturar livros e cursos de graduação na ordem natural do pensar e do fazer do projeto estrutural têm se mostrado uma demanda alta demais para grande parte dos professores e dos autores.
         Por fim uma sugestão que me ocorre é o esquecimento. Engenheiros e arquitetos (que acumulam os papéis de autores e professores) que já aprenderam a analisar um problema estrutural na ordem natural e não precisam mais juntar pequeninas peças de quebra-cabeças, parecem esquecer, ao perpetuar o modelo clássico de aprendizado e ensino, do constante desassossego que os acompanhava nos bancos das salas de aula e das bibliotecas universitárias.
         O caminho a ser percorrido para que o processo de ensino e aprendizado emule mais o processo natural do projeto estrutural me parece longo e árduo. Porém, possível, e mais ainda, indispensável. Algumas iniciativas pontuais e simples, porém, trariam grandes benefícios. A mais importante, ao meu ver é prover mais experiências com a prática do projeto. Metodologias de aprendizado baseadas em projeto[5] refletem naturalmente a complexidade, a incompletude de dados, as diferentes (e muitas vezes conflitantes) demandas comumente existentes na solução de problemas de Engenharia Estrutural[6]. O uso de situações de projeto no ensino da Engenharia Estrutural é, ao meu ver, uma estratégia viável de reconsiderar e repensar o treinamento de futuros engenheiros e arquitetos para que sejam capazes de dominar problemas estruturais de forma global e completa.



[1] Schodek, D. e Bechthold, M. Structures, 2013
[2] Lin, T. Y. e Stotesbury, S. D. Structural Concepts and Systems for Architects and Engineers, 1981
[3] Philosophy of Structures, 1958
[4] The Everlasting Man, 1925.
[5] Project-Based Learning (PBL) em inglês
[6] Mills, J. E. e Treagust, D. F. Engineering education – is problem based or project-based learning the answer? Journal of Engineering Education, 2003.